Feminismo Negro: uma luta para além do gênero
O Feminismo Negro é central para luta antirracista e dá voz as pautas das mulheres negras, por isso, entendê-lo é essencial para inserção do tema na agenda social. Saiba mais no texto.
Quando buscamos pelo termo “feminismo” no Google, encontramos definições como “movimento social que luta contra a violência de gênero e pela igualdade de direito e de condições das mulheres na sociedade”. Ao fazer esta leitura, precisamos considerar que este conceito parte de uma visão pós-moderna, que analisa as necessidades da conjuntura atual da sociedade. Beleza? É importante ressaltar que o movimento teve ao longo da história suas ondas e progressos para que chegássemos aqui e assim, lutar por outras pautas necessárias. Vale destacar também que a definição acima, por exemplo, não atende todas as vertentes do movimento, pois existem diferentes pensamentos sobre a atuação feminista.
Pra mim, é indiscutível o papel da luta feminista para que mulheres tivessem direitos. Tanto admiro que sempre me dói o coração quando escuto de uma mulher “eu não sou feminista”, pois foram graças às feministas que elas têm a possibilidade de votar, trabalhar, estudar e etc.
Importante: Eu não estou culpando quem pensa assim, já que somos ensinados, como sociedade, a ver a luta feminista como uma luta para inferiorizar os homens, que feminista não se depila e é radical. Estamos falando de construções sociais e os estereótipos alimentados no imaginário das pessoas. Mas, para quem deseja entender sobre o tema, já te falo que não é isso. O movimento, acima de tudo, busca a igualdade para que tenhamos os mesmos direitos que os homens, que possamos ser livres — de escolha, de ir e vir e não sermos julgadas por nossas atitudes. Mas, a gente sabe que este é um discurso universal que não contempla todas as mulheres. Por exemplo, a mulher negra luta pela sua equivalência enquanto mulher e ter direitos iguais ao da mulher branca.
Como em qualquer movimento, o feminismo peca e tem suas falhas, além disso, possui diferentes vertentes que precisam ser analisadas e dialogadas. E, aqui, vou me deter a falar sobre o feminismo negro.
O que as ondas feministas têm a nos falar sobre as mulheres negras
Quando partimos da concepção de que o movimento feminista surge na primeira onda com o objetivo de lutar a favor dos direitos sociais, econômicos e políticos da mulher, precisamos compreender de qual mulher ele fala: da mulher branca e de classe média. E, obviamente, é um lugar de privilégio, no qual se esquece que a reivindicação desconsidera que a mulher negra SEMPRE trabalhou — mesmo que contra sua vontade. E, se há um sujeito que não teve suas condições vistas, foi a mulher negra.
O esquecimento ocorre porque tanto para o homem branco, quanto para a mulher branca da época, a mulher negra não era vista enquanto gênero. Cabe destacar que este período é o final do século 19 e início do século 20, ou seja, mulheres e homens negros eram vistos apenas como objetos de exploração — domésticos, serventes, ocupantes de um lugar de subalternidade e superexploração social, política e econômica. Nos Estados Unidos, por exemplo, mulheres sufragistas alegavam que seus direitos de voto deveriam ser concedidos antes do homem negro, pois sabiam do seu lugar de privilégio e superioridade na sociedade. Por isso, te questiono: sufrágio de quem? luta de quem?
A primeira onda feminista foi pautada pela igualdade. E, eu sempre fico me questionando sobre que igualdade é esta que desconsidera a mulher negra, né. Embora já tenha dado a resposta pra vocês sobre o pensamento de gênero, ou, a falta dele.
E, por falar em gênero, a segunda onda nos anos 60 teve como pauta sexo. A opressão que a mulher sofria considerando seu sexo de nascimento. A pauta em si falava sobre como a mulher era explorada por ser mulher, pela reprodução e buscava a liberdade de expressão de sexualidade.
Vale destacar que gênero é uma construção social. A opressão contra o sexo considerava apenas uma mulher, a reprodução de uma mulher e a liberdade sexual de uma mulher. Enquanto, as pautas das mulheres brancas avançavam, a mulher negra ainda buscava sua inserção como sujeito. Logo, há um distanciamento, um abismo entre as necessidades, então, como se ver representada neste discurso?
Quando Sojourner Truth fez seu famoso discurso “E, eu não sou uma mulher?” em 1851, já se pautava e incomodava o fato da mulher negra não são ser vista como uma mulher, o ser feminino, que por vezes carrega a fragilidade como narrativa. E, nós entramos no século XX, sem termos resolvido esta pauta. No Brasil, não era diferente, enquanto a mulher branca buscava sua emancipação, a mulher negra queria ser vista não somente como objeto, mas como uma mulher que também tinha direitos. Assim, entende-se que a aproximação das mulheres negras dentro do movimento feminista não ocorre, em muitos casos, pois não há uma identificação das suas pautas sendo inseridas neste espaço. E, quando está, ela é silenciada.
Assim, surge o feminismo negro (de modo simplista).
O Feminismo Negro surge como pauta cotidiana
Patricia Hill Collins, socióloga renomada e uma grande influência no estudos sobre feminismo negro, nos traz a reflexão de que o feminismo branco sempre foi posto como universal para todas as mulheres. E, por vezes, associado como um movimento de ideologia. O feminismo negro surge como pauta concreta do cotidiano. Isto é, a mulher negra desde a escravização busca seu empoderamento, encontra formas de resistir, de lutar por sua liberdade e ressignificar o seu olhar perante a sociedade como objeto, antes mesmo do movimento feminista pautar a objetificação do corpo.
A pauta do feminismo negro surge na década de 60 nos EUA e no Brasil na década de 70. Tendo como objetivo trabalhar a pauta racial associada à opressão de gênero. É um movimento que evidencia o silenciamento da pauta racial ocultada pelos movimentos feminista, e centralizando a discussão para as reais necessidades da mulher negra.
O sexismo, que pauta a diferenciação por gênero, também estava latente dentro movimento negro. A mulher negra estava sozinha e era duplamente silenciada dentro dos espaços que pertencia, pois não era escutada dentro do movimento feminista, que poderia ter um acolhimento por gênero, e não era ouvida dentro do movimento negro, que poderia ter uma empatia pela questão racial.
Sua necessidade de combate e atuação buscava inseri-lá como prioridade. Nós por nós, né? Lembrando que nos anos 60, lutava-se pelos direitos civis nos EUA, e assim, ela precisava que seus direitos, enquanto mulher negra, fossem escutados perante a constituição.
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Interseccionalidade e sua importância ao movimento
Pra mim, é impossível falar de feminismo negro sem citar o conceito de interseccionalidade. Este nasceu do feminismo negro na década de 70 para propor uma compreensão sistêmica e aprofundada de como os mecanismos de opressão agem discriminatoriamente na sociedade, não as hierarquizando. Isto é, marcadores sociais como gênero, raça, classe, dentre outros, precisam ser analisados em intersecção, analisados em conjunto, e não por sobreposição, sob qual é mais importante socialmente. Deste modo, trazem um aprofundamento sobre as desigualdades que estruturam as posições destes na sociedade. Sua importância é tamanha pois, considera os diferentes atravessamentos que cortam a mulher negra.
A representação da mulher negra
A interseccionalidade como categoria que integra os mecanismos de opressão da mulher negra pode auxiliar na análise de elementos identitários, corpóreos e na luta contra os padrões. Expõem-se as imposições dos padrões eurocêntricos em seu corpo, principalmente, no cabelo oriundo das construções sociais da sociedade.
Cabe destacar que muitas mulheres negras não consideram-se feministas negras, justamente, pela dificuldade de se enxergar dentro do movimento e vê-lo como uma criação eurocentrada.
Fato é, que o feminismo negro é um tema que agrega a pauta antirracista, pois consegue dar luz às necessidades da mulher negra e propor ações resolutivas para seus anseios. O problema é que continuamos não sendo escutadas e silenciadas. Feminismo de quem? pra quem?
Este texto foi longo. Mas, precisava ser. Falar de luta feminista negra precisa ter contexto histórico.
Se você gostou, aplaude aí.
Nos vemos numa próxima. ❤
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